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Afinal, onde estão os vinte mil indígenas do Rio de Janeiro?
Texto de Carolina Carvalho
As favelas do Rio de Janeiro são mais marginalizadas todos os dias pelos meios de comunicação quando não são inclusas nas pautas das mídias hegemônicas. Uma pessoa que não more ou frequente as comunidades constrói sua imagem através das poucas e estereotipadas aparições do favelado no jornal nacional, ou nas novelas. O que agrava um preconceito bem comum entre os cariocas das outras partes da cidade e afasta cada vez mais as duas realidades sociais. A invisibilidade é tanta que não temos sequer conhecimento de toda a diversidade étnica e cultural que está presente em todos os complexos do estado fluminense.
"Na aldeia Marakanã, um grupo na UERJ contabilizou um total de 50, onde estão esses 19.950? Eu respondi: nos maiores complexos do Rio de Janeiro, complexo do Alemão, da Mare, da Rocinha, de Manguinhos, de Acari, do Jacarezinho. Esses indígenas, a maioria está nas favelas. O IBGE deu conta de aproximadamente vinte mil, só no Rio de Janeiro." Conta Urutau Guajajara que desenvolveu um projeto com a professora Tânia Clemente que chama-se "Práticas migratórias: movimentos sociais indígenas em contexto urbano". Ele explica que, a invisibilização dos indígenas acontece até nos registros de mortes pela polícia militar, uma vez que essas etnias não são contabilizadas. E que o termo "pardo", utilizado nos registros de identidade foi mais uma forma de afastá-los de suas origens, apagar suas etnias.
A maioria desses indígenas se encontra na prática de subempregos: geralmente camelôs, porteiros(as), domésticos(as) ou vendedores(as) de artesanato. Com medo da discriminação, muitos deles ainda tem receio em se afirmarem de sua etnia. Dessa forma, eles permanecem à margem dos movimentos políticos e sociais organizados na sua cidade. Na tentativa de se aproximar, foi criado o CESAC (Centro de Etnoconhecimento Sociocultural e Ambiental Caiuré) Entre os complexos do Juramento e do Alemão, na zona norte do Rio.

Quando cheguei no CESAC fui recebida por dois chilenos que estavam passando uns dias no Rio de Janeiro. É que além de ser um centro cultural ele é também um ponto de segurança e abrigo para indígenas que, caindo de pára-quedas na cidade carioca, não tem onde ficar. Muitos deles, deixam presentes como forma de agradecimento pela estadia no prédio, que assim foi sendo equipado todo a partir de doações, dos fios e parafusos às pixações e pinturas espalhadas por todas -todas mesmo- paredes do Centro.
O visual é tão forte de cores quanto de memórias, Na entrada, uma parede com instrumentos e artesanatos presenteadas por indígenas de diversas partes da América Latina: só de Marakás, são mais de dez diferentes que representam diferentes povos. "As línguas, as culturas, as tradições, tudo isso tem que ser preservado. Quando eles falam 'o índio', parece que é tudo igual, mas não é, cada um tem a sua comida, a sua festa e isso é muito bonito", conta Potira, enquanto explica para que é usado cada coisa com muita atenção.
O prédio em Tomás Coelho foi na verdade uma construção destinada a ser subestação de energia elétrica do metrô. No entanto, na demora da compra do equipamento da Alemanha, a tecnologia ficou absoleta e o equipamento que precisaria na época de um grande prédio, cabe hoje em caixas pequenas que ficam na própria estação do metrô. Abandonado, o prédio foi para o movimento uma oportunidade de criar uma base indígena nas comunidades cariocas, um ponto de encontro e de atividades sociais aberta para toda a população da região. Hoje, o centro oferece aulas de circo, de violão, uma biblioteca e reforço escolar para as crianças e adolescentes da região, além disso, promove eventos de cunho ambiental, cultural e social.

Já eram quase dez horas quando Potira serviu o chá de capim-limão que acabara de colher do pé e uma tapioca moída no Pinó (para os Guarani pindó), ferramenta feita da folha da palmeira muriti. Da palavra Pindó, surge Pindorama, Terra das Palmeiras, ou pros povos tupi guarani "Terra livre de males", como era e em alguns lugares ainda é chamado o Brasil. Daqui a algumas horas seria hora de buscar Maynumi, sua filha de oito anos, no colégio e ir para a UERJ vender artesanato enquanto espera pela saída de seu marido, Urutau Guajajara, da aula que leciona de tupi-guarani.
Nesse tempo, ela mostra fotos antigas e fala sobre como sua luta está vinculada à espiritualidade. "Os que ficam são os que lutam e os que entendem de luta são os que têm espiritualidade. A gente vem, vai e volta. Eu vim não sei porque que eu vim, mas tô aqui, fui mandada, os meus espíritos sempre falaram com a minha avó e minha vó sempre falou comigo, mesmo depois de ter ido, de que eu tinha uma missão. Eu não sei que missão é essa, eu só sei que eu vim parar aqui". Guiada por sua avó, ela permanece forte nas duas resistências do dia-a-dia: o CESAC pela manhã e a Aldeia Marakanã no fim da tarde e noite. Não sabemos qual a missão de Potira, mas suspeito que seja lutar por esse país que ela receia em dizer o nome. " Brasil" não a representa, porque antes de ser Brasil, essa terra era casa de seus ancestrais, era sua terra, era Pindorama.