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Mulheres de luta, mulheres indígenas

Texto por Jéssica Antunes

O movimento indígena é casa de muitas mulheres fortes que tentam, a cada dia, fazer a diferença onde moram. Potira e Francy são as  indígenas que nos ajudaram a entender um pouco sobre o que a mulher indígena passa. Digo entender um pouco porque admito que somos seres egoístas que têm limitações de compreender o mundo para além do próprio umbigo. Essas indígenas que defendem as pautas femininas dentro e fora de suas aldeias têm a total consciência de quais são suas demandas e objetivos e lutam por isso. Então nossa cabecinha ocidental reducionista tende a pensar: “Que legal, são indígenas feministas!”. Francy, que faz mestrado em Antropologia, olha no fundo dos meus olhos e pergunta da forma mais ingênua de todas: “Qual o significado de feminismo?” Francy, que é uma baniwa, na Amazônia, que atua na Liderança do Departamento de Mulheres do Rio Negro ouvindo demandas das mulheres indígenas, promovendo palestras sobre Lei Maria da Penha e Direitos Indígenas simplesmente não sabia sobre o feminismo.

 

Em um primeiro impulso egocêntrico, penso “ah, ela é feminista sem perceber” e novamente me flagro tentando encaixar o mundo delas, no meu. O movimento das mulheres indígenas têm suas próprias pautas, sua própria força e sua própria legitimidade e eu finalmente entendi que elas não precisam do feminismo. E quando digo que não precisam do feminismo não quero dizer que elas não precisam lutar pelos direitos das mulheres indígenas, mas sim que não precisam serem encaixadas dentro deste conceito político, capitalista, majoritariamente branco e europeu. Esses termos simplesmentes não fazem sentido pra elas. E não precisam fazer.

 

Então depois de  explicarmos a ela o que era o feminismo, concluiu: “Eu me vejo mais como mulher indígena na atuação do movimento indígena”. O Departamento de Mulheres onde ela trabalha atende mulheres indígenas de 23 povos, por meio de capacitações, palestras informativas e principalmente ouvindo demandas. Francy também trabalha incentivando as mulheres a participarem mais das decisões e das discussões em suas aldeias. “A  gente quer ser respeitada, queremos nosso espaço mesmo sendo mulheres”, reivindica Francy. Felizmente, às margens do Rio Negro, a maioria dos homens já se conscientizou que a mulher precisa de espaço e eles mesmos incentivam a participação feminina. “Mas eu sei que não é assim em todo lugar, tem muitos outros estados onde a mulher indígena não tem fala”, comenta Francy em tom de lamentação.

Potira que ocupa a Aldeia Maracanã desde 2006 já esteve envolvida com o movimento feminista aqui no Rio de Janeiro, onde mora. Depois de um tempo, mesmo reconhecendo a importância deste movimento, a indígena percebeu que o feminismo não é pra ela. “As mulheres se preocupam muito em criticar os homens, mas esquecem de ajudar umas as outras”, explica. Na tribo Guajajara a qual pertence, ela conta que as mulheres têm o hábito de se ajudar, de tomar conta dos filhos umas das outras e principalmente de respeitar o marido das outras mulheres. Este é outro ponto que Potira discorda do movimento feminista. “As mulheres falam que são amigas, mas muitas pegam o marido das outras”.  

 

Foi pensando justamente nisso, que Potira Guajajara criou o Grupo Sagrado de Mulheres da Aldeia Maracanã. Este grupo destinado às mulheres que ocupam o local foi criado para promover uma relação de amizade e confiança entre elas. Como a Aldeia Maracanã é uma ocupação na cidade que recebe índios de diversas aldeias, nem todas as indígenas tinham o hábito da monogamia. Isso começou a ser motivo de desentendimentos por lá, já que algumas mulheres queriam beijar os maridos das outras.

 

O Grupo Sagrado, que já viajou até para outros países, foi uma forma de aproximar as mulheres indígenas e também explicar a importância de respeitar os relacionamentos monogâmicos por alí. Durante as reuniões, elas participam de rituais sagrados de purificação e também compartilham segredos e sentimentos entre elas. “Tudo o que acontece aqui é segredo!” revela Potira, ao explicar que precisam confiar umas nas outras.  

Outro ponto determinante na vida de uma mulher é a menstruação. Para nós, mulheres não-indígenas, esse período muitas vezes é encarado como inoportuno e incômodo, mas para os povos originários ela é vista como sagrada. Tanto na aldeia guajajara quanto na baniwa, uma grande festa é preparada para comemorar a primeira menstruação das meninas. Essa festa, que também é um ritual religioso, serve para celebrar a passagem de menina à mulher. Potira explica que a ancestralidade é tão forte entre seu povo, que todas as meninas costumam ter a primeira menstruação no mês de outubro, mês em que também realizam o ritual. São sete dias de preparação em que as meninas ficam isoladas do resto da aldeia e ficam apenas recebendo ensinamentos da indígena mais experiente. Depois desse período, a menina é apresentada aos homens da aldeia e realizam a comemoração.

 

Com o povo baniwa as coisas são parecidas, mas durante a semana de preparação a mulher não pode ficar parada. As meninas precisam fazer o máximo de atividades possíveis. “Tem que ir pra roça, voltar, ralar, fazer biju, pegar goma, fazer tapioca, sair pra buscar lenha, sempre naquela correria porque se você fizer as coisas devagar nessa semana, você vai ser vagarosa pro resto da vida”, conta Francy.

Nas tribos, os dias do mês que as mulheres estão menstruadas, elas ficam de repouso respeitando a divindade de seus períodos férteis em que estão diretamente ligadas à natureza e à terra. As indígenas que vêm estudar na cidade ou até reivindicar sobre o movimento indígena, que certamente não podem ficar de repouso nesse período,  são obrigadas a mais uma vez se adequarem aos nossos hábitos ocidentais, para, talvez terem a chance de serem levadas a sério.

Reportagem multimídia produzida para a disciplina Comunicação e Cidadania do curso de Jornalismo da UFRRJ | 2017-1

Por: Carolina Carvalho, Jéssica Antunes, Larissa Guedes e Marina Mendes

Orientação: professora Flora Daemon

© Diagramação por Carolina Carvalho

Participação colaborativa de Thiago Silva e Davi Florentino

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