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O desafio da emancipação indígena
Texto por Jéssica Antunes e Larissa Guedes
De certa forma, os indígenas sentem a necessidade de adaptação à cultura branca em várias esferas. A Universidade é uma delas. Ocupar espaços acadêmicos significa se impor e existir dentro da cultura ocidental. Significa também a busca pelo o que há muito tempo foi negado em sua própria história, pelo o que foi silenciado e pelo o que permaneceu omisso desde o processo de colonização do Brasil: autonomia.

Francy, índigena baniwa do Amazonas, teve a oportunidade que nem todos seus parentes tiveram: fazer uma graduação. Formada em pedagogia, Francy também já deu aula de sociologia na escola de sua região. Segundo ela, os indígenas possuem a cultura de não serem individualistas, então aqueles que conseguem viajar para a cidade para estudar sempre voltam para sua aldeia para compartilhar o conhecimento apreendido com seu povo.
“Eu deixei a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro) pra vir pro Rio estudar. É uma perda eu ter deixado o Departamento de Mulheres, mas ao mesmo tempo é um ganho porque vou voltar com o conhecimento”, explica Francy sobre ter deixado seu cargo de liderança em São Gabriel para fazer mestrado em antropologia no Rio de Janeiro.
Francy também enxerga nas academias “dos brancos” uma ferramenta que ensina ao indígena como lutar pelos seus direitos nos dias de hoje. “Antigamente os nossos pais lutavam com arco e flecha e hoje a nossa arma é a caneta e o papel. Porque a palavra hoje não vale de nada, o que vale é a escrita”.
E mais do que instrumento de luta e conhecimento, frequentar uma universidade também se torna um ato político para os índios. Inclusive é sobre o isso o principal sonho de Francy: que os indígenas ocupem cargos importantes na política, como de deputado federal. “Meu maior sonho era ter alguém para representar a gente, que realmente sabe da nossa luta e que vai estar lá para nos defender. Eu sou muito confiante de que a gente ainda consiga.”

Anari, que é uma indígena pataxó da Bahia, também enxerga que a Universidade tem um enorme poder de fundir os conhecimentos.
"A presença indígena não vai tornar a Universidade menos civilizada, ao contrário, a Universidade vai aprender com os povos indígenas que tem muito a ensinar", afirma.
Anari, que faz doutorado em antropologia no Rio de Janeiro, acredita que essa relação de troca de aprendizados pode diminuir um pouco a assimetria entre a sociedade.
"Nós não podemos esmorecer diante da guerra política contra nosso povo.
A luta sempre vai continuar, seja onde a gente for caminhar ou fazer, nós podemos sim ocupar vários espaços e contribuir para amenizar essa situação de várias maneiras.
Preparando as nossas crianças, lidando com gente do mundo inteiro, a gente vai formando formiguinhas que vão desde as crianças até um jovem quando sai da aldeia e vai pra cidade e é questionado em seu papel."
As dificuldades, no entanto, não se limitam à ingressão na faculdade, mas também em sua permanência. Urutu Guajajara, que veio da sua aldeia no Maranhão para o Rio de Janeiro nos anos 90, identificou a necessidade de estudar e se especializar ao chegar ao novo estado. Essa necessidade nasce do desejo de participar da lógica urbana presente, de ser visto e não ficar marginalizado e nem em situação de subemprego, e para isso acontecer, a única saída seria o estudo. No entanto, para um Guajajara ou um Guarani, por exemplo, tribos que não possuem qualquer estrutura de educação básica, cursar uma faculdade pode ser algo muito difícil. À começar pela adaptação à língua portuguesa, já que as faculdades não admitem línguas indígenas como uma língua estrangeira permitida para envio de trabalhos. Além disso, questões como a dificuldade em acessar uma universidade pública ou a falta de dinheiro para uma particular distanciam ainda mais os indígenas dos meios acadêmicos.
Urutu, ou José como foi registrado no Maranhão, conseguiu fazer graduação graças à uma bolsa de estudos que lhe foi concedida. “Mas foi uma luta, estudei muito, foi muito difícil” explica Guajajara. Hoje, ele é professor de tupi-guarani na Uerj, mas o que move o seu trabalho é o amor e a vontade de manter a cultura indígena presente, já que suas aulas ainda não foram reconhecidas como projeto de extensão e por este motivo, seu trabalho não é remunerado.