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Luta de Palavra e Ação
Texto de Larissa Guedes
Resistir por línguas faladas por minorias que foram historicamente dizimadas é um ato de enfrentamento político.
Para Urutau Guajajara, indígena e atualmente professor de cultura e língua tupi-guarani na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o processo de aprender a língua portuguesa ao sair de sua aldeia no sul do Maranhão, foi muito cruel devido ao extenso abismo cultural com o qual se deparou.
"Por volta de 14 anos eu saí da minha reserva para estudar em uma cidade próxima.
Era uma época que a discriminação era muito grande, (ainda é) mas naquela época era pior, tanto que eu eu conheci a palmatória.
Ganhei até bolha de palmatória pra esquecer, não falar a minha língua e aprender bem, então eu aprendi", ele conta.
Essa questão é histórica e data de 1750, quando o Duque de Pombal decretou à mando do rei de Portugal a Lei Pombaliana, que proibiu os falantes de outras línguas que não fossem a língua portuguesa de se expressar em seus idiomas maternos.
A partir daquela data, nem tupi, nem quaisquer outras línguas indígenas poderiam ser faladas.
Esse regulamento arbitrário foi responsável pela morte de várias nações indígenas.
Segundo uma pesquisa do programa Pró-Índio da Uerj, 300 nações indígenas foram extintas só no estado do Rio de Janeiro.
Após 200 anos que foram decretadas extintas várias línguas e culturalidades, o sentimento que permeia nos descendentes dos povos sobreviventes é a sensação de serem estrangeiros dentro da própria terra.
A língua nativa de Francy Halaee é a baniwa.
Ela conta que em sua aldeia, no município de São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, as escolas ensinam o baniwa e também a língua portuguesa.
"As escolas estão preparando os alunos pro nosso indígena mas também pro mundo ocidental que é dos brancos. Ensinam sobre a nossa mitologia mas ao mesmo tempo dão aquele conteúdo de geografia, história, todos esses conteúdos de uma escola “normal”, relata Francy.

Ela acredita que a aliança entre esses dois conhecimentos são essenciais na vida de um indígena porque eles podem ter a sua língua e a sua cultura pra praticar na própria realidade, mas dominando o conhecimento proviniente da cultura branca ocidental, quando saírem da Aldeia não ficarão perdidos, estando preparados interagir numa sociedade que não é sua.
"Associar os dois mundos diferentes é uma ferramenta que você tem aí na sua mão. Eu acho que a gente tem o privilégio como indígena de ter essa cultura nossa e do mundo envolvente. Também tem essas tecnologias que ajudam, a internet que permite divulgar mais coisas da sua cultura, é muito útil pra gente pra divulgação dos trabalhos", afirmou Francy.
Anari, da tribo Pataxó, no sul da Bahia enxerga o aprendizado do português como um processo autoritário que gerou estigmatização dos povos indígenas: "Ou você domina a língua portuguesa ou ela te domina", apontou.
O trabalho de pesquisa e ocupação acadêmica atual dos indígenas é voltado para além da recuperação do controle de sua história, a que está viva, mas principalmente para preservação do pouco lhes restou nesses 517 anos de sucessivos massacres.
Sua luta é de palavra, mas também é de ação.
É no orgulho de arranhar a garganta por cada palavra da língua tupi.
É ensinar os mais novos a terem orgulho de si mesmos e dos significados sonoros que saem de suas bocas.
Ensiná-los sobre sua própria história, dessa vez contando os fatos que foram esquecidos na versão tradicional, para que eles possam valorizar suas origens e se firmarem como pessoas e suas identidades sendo conscientes das leis e direitos que os protegem.
Arduamente, e trabalhando em uma forma de luta e resistência diária, as línguas índigenas se regeneram .
Renascem de onde foram apagadas.
Trazem à tona uma voz elucidante de um povo que canta sereno e grita alto com seu fervor.
Fazendo barulho, a história pode ser recontada pelos sobreviventes.
E eles criam um novo rumo para ela a cada dia.
Eles são a história viva.